quinta-feira, 20 de dezembro de 2007

Resoluções de Ano Novo


Eu só poderia acreditar num deus que soubesse dançar.
E quando vi meu demônio, pareceu-me sério, grave, profundo, solene.

Era o espírito da gravidade, ele é que faz cair as coisas.
Não é com ira, mas com riso que se mata.
Coragem! Vamos matar o espírito da gravidade!

Eu aprendi a andar.
Desde então, passei por mim mesmo a correr.
Eu aprendi a voar.
Desde então, não quero que me empurrem para mudar de lugar.

Agora sou leve, agora vôo, agora vejo abaixo de mim mesmo.
Agora um deus dança em mim.

Assim falava Zaratustra.


Trecho de "Assim Falava Zaratustra", de Nietzsche.

terça-feira, 18 de dezembro de 2007

Saberes


A interação dos saberes específicos das diversas culturas é, sem dúvida, benéfica para toda a humanidade. Das artes à medicina, todos ganham com a troca de conhecimentos. No entanto, em alguns casos há uma certa sofreguidão em aceitar técnicas e práticas de culturas milenares, sem quaisquer critérios ou pesquisas aprofundadas. Algo que beira a mitificação, como se bastasse ser milenar ou exótico para ser válido, e que abre espaço para a mistificação e o charlatanismo.

É preciso deixar claro que este comentário não tem qualquer conotação de xenofobia e não embute discriminação a contribuições de outras culturas ou terapias alternativas. É tão somente uma tentativa de chamar a atenção para o tema. E nada melhor do que tratá-lo com bom humor. Portanto, aproveito a piada enviada pelo amigo Renato Sigiliano para um convite à reflexão.

Previsão do tempo

Com a aproximação do inverno, os índios foram ao cacique perguntar:
- Chefe, o inverno este ano será rigoroso ou ameno?
O cacique, vivendo tempos modernos, não tinha aprendido como seus ancestrais os segredos de meteorologia. Mas claro, não podia demonstrar insegurança ou dúvida. Por algum tempo olhou para o céu, estendeu as mãos para sentir os ventos e, em tom sereno e firme, disse:
- Teremos um inverno muito forte. É bom começar a juntar muita lenha!

Na semana seguinte, preocupado com o “chute”, foi ao telefone e ligou para o Serviço de Meteorologia e ouviu a resposta:
- Sim, o inverno deste ano será muito frio!
Sentindo-se mais seguro, dirigiu-se a seu povo novamente:
- É melhor recolhermos muita lenha... teremos um inverno rigoroso!

Dois dias depois, ligou novamente para o Serviço Meteorologia e ouviu a confirmação:
- Sim... este ano o inverno será rigoroso!
Voltou ao povo e disse:
- Teremos um inverno muito rigoroso. Recolham todo pedaço de lenha que encontrarem, temos que aproveitar até os gravetos.

Uma semana depois, ainda não satisfeito, ligou outra vez:
- Vocês têm certeza de que teremos um inverno tão rigoroso assim?
- Sim, responde o meteorologista de plantão. Este ano teremos um frio muito intenso.
- Como vocês têm tanta certeza assim?
- É que este ano os índios estão recolhendo lenha pra cacete...

sexta-feira, 14 de dezembro de 2007

Escutatória


O texto reproduzido aqui foi enviado pela amiga Jamile Attiê e despertou minha atenção logo a partir do título inusitado: Escutatória.

De tão interessante e útil, resolvi partilhá-lo.


Escutatória


Do escritor mineiro *RUBEM ALVES*

Sempre vejo anunciados cursos de oratória. Nunca vi anunciado curso de escutatória. Todo mundo quer aprender a falar. Ninguém quer aprender a ouvir. Pensei em oferecer um curso de escutatória. Mas acho que ninguém vai se matricular.

Escutar é complicado e sutil. Diz Alberto Caeiro que "não é bastante não ser cego para ver as árvores e as flores. É preciso também não ter filosofia nenhuma". Filosofia é um monte de idéias, dentro da cabeça, sobre como são as coisas. Para se ver, é preciso que a cabeça esteja vazia.

Parafraseio o Alberto Caeiro: "Não é bastante ter ouvidos para ouvir o que é dito; é preciso também que haja silêncio dentro da alma". Daí a dificuldade: a gente não agüenta ouvir o que o outro diz sem logo dar um palpite melhor, sem misturar o que ele diz com aquilo que a gente tem a dizer.

Como se aquilo que ele diz não fosse digno de descansada consideração e precisasse ser complementado por aquilo que a gente tem a dizer, que é muito melhor. Nossa incapacidade de ouvir é a manifestação mais constante e sutil de nossa arrogância e vaidade: no fundo, somos os mais bonitos...

Tenho um velho amigo, Jovelino, que se mudou para os Estados Unidos estimulado pela revolução de 64. Contou-me de sua experiência com os índios. Reunidos os participantes, ninguém fala. Há um longo, longo silêncio. (Os pianistas, antes de iniciar o concerto, diante do piano, também ficam assentados em silêncio, abrindo vazios de silêncio, expulsando todas as idéias estranhas.).

Todos em silêncio, à espera do pensamento essencial. Aí, de repente, alguém fala. Todos ouvem. Terminada a fala, novo silêncio. Falar logo em seguida seria um grande desrespeito, pois o outro falou os seus pensamentos, pensamentos que ele julgava essenciais. São estranhos. É preciso tempo para entender o que o outro falou. Se eu falar logo a seguir, são duas as possibilidades.

Primeira: "Fiquei em silêncio só por delicadeza. Na verdade, não ouvi o que você falou. Enquanto você falava, eu pensava nas coisas que iria falar quando você terminasse sua (tola) fala. Falo como se você não tivesse falado".

Segunda: "Ouvi o que você falou. Mas isso que você falou como novidade eu já pensei há muito tempo. É coisa velha para mim. Tanto que nem preciso pensar sobre o que você falou".

Em ambos os casos, estou chamando o outro de tolo. O que é pior que uma bofetada. O longo silêncio quer dizer: "Estou ponderando cuidadosamente tudo aquilo que você falou". E assim vai a reunião.
Não basta o silêncio de fora. É preciso silêncio dentro. Ausência de pensamentos. E aí, quando se faz o silêncio dentro, a gente começa a ouvir coisas que não ouvia.
Eu comecei a ouvir. Fernando Pessoa conhecia a experiência, e se referia a algo que se ouve nos interstícios das palavras, no lugar onde não há palavras.

A música acontece no silêncio. A alma é uma catedral submersa. No fundo do mar quem faz mergulho sabe - a boca fica fechada. Somos todos olhos e ouvidos. Mas, livres dos ruídos do falatório e dos saberes da filosofia, ouvimos a melodia que não havia que, de tão linda, nos faz chorar.
Para mim, Deus é isto: a beleza que se ouve no silêncio. Daí a importância de saber ouvir os outros: a beleza mora lá também.

Comunhão é quando a beleza do outro e a beleza da gente se juntam num contraponto.

Crédito: a foto utilizada como ilustração é de divulgação do site oficial da Ilha da Madeira - http://www.madeiratourism.org/

segunda-feira, 10 de dezembro de 2007

Canto de Ossanha

Depois de assistir a um vídeo postado por Hanna no seu blog "Sobretudo, qualquer coisa" deu saudades da poesia do Vinicius e de toda uma época .

quarta-feira, 5 de dezembro de 2007

Inacreditável !


Custei a acreditar no que assisti. A “incorporação” do ator Caio Junqueira, batendo com os dedos no peito do camelô que lhe ofereceu um DVD pirata no centro do Rio de Janeiro e o chamando de “muleque”, é algo inacreditável. Parece até estratégia de marketing.

Mas não é a primeira vez que um ator incorpora na vida real um personagem vivido nas telas. Na infância acompanhei o seriado “O Vigilante Rodoviário”, protagonizado por Carlos Miranda. Tempos mais tarde, o ator fez concurso para a Polícia Rodoviária e acabou se tornando um vigilante rodoviário de verdade.

No entanto, quanta diferença...
Para entender o espírito da coisa só comparando.

Para assistir à "incorporação" do ator Caio Junqueira clique:
http://www.youtube.com/watch?v=9oLizkiJjag&eurl

Para conhecer a página oficial sobre o seriado O Vigilante Rodoviário clique:
http://www.vigilanterodoviario.com/

Aproveite e leia as observações de Hanna em seu blog “Sobretudo, qualquer coisa”:
http://www.sobretudoqualquercoisa.blogspot.com/

domingo, 2 de dezembro de 2007

A hora e a vez de Papai Noel


Não tem jeito. Chegou dezembro e o Natal invade a vida da gente.

Ainda bem que somos um povo miscigenado. Raças, culturas e crenças diferentes formam uma amálgama maravilhosa chamada povo brasileiro.

Independente de qualquer crença religiosa, ou mesmo da ausência de alguma, uma figura se impõe: o velho barbudo, barrigudo, vestido de vermelho, com um saco de presentes às costas.

Papai Noel está aí, onipresente, no imaginário infantil, nos cartazes nas ruas, em “carne e osso” nos shoppings. Não dá pra brigar contra isso. É a hora e a vez do velho barbudo.

Como me lembrou uma amiga, a Mônica Coronel, na vida a gente passa por três fases.

Primeira: quando acreditamos em Papai Noel.
Segunda: quando não acreditamos mais em Papai Noel.
Terceira: quando somos Papai Noel.

Portanto, aproveitando a bela sugestão da Mônica, que tal ir até à agência central dos Correios em sua cidade, pegar uma das 17 milhões de cartinhas de crianças pobres e ser o Papai ou a Mamãe Noel de uma delas?



quarta-feira, 28 de novembro de 2007

Apenas associações de idéias


Um mistério insolúvel, para mim, é o poder que algumas palavras têm para desencadear associações de idéias. Uma delas, bem simples, é a palavra leite. O primeiro alimento dos mamíferos, cinco letras que compõem um som que qualquer criança é capaz de pronunciar mal aprende a falar, sempre me despertou associações de idéias agradáveis.

A simples lembrança do café com leite quentinho de manhã, antes de ir para a escola, ou o copo de leite gelado com que, já adulto, muitas vezes substituí uma refeição na pressa de cumprir compromissos, até pouco tempo me remetiam a sensações gustativas prazerosas.

Ao pensar na palavra leite, sempre me vieram à mente cenas bucólicas. Vacas sendo ordenhadas antes do nascer do sol, deitadas à sombra de uma árvore para fugir do calor do meio-dia ou voltando em passos cadenciados para o curral ao anoitecer. Muitas vezes com guizos marcando a lentidão da marcha.

Um pouco mais de abstração me levava a pensar na Via Láctea, a galáxia que abriga nosso ridículo sistema solar frente à imensidão do universo. Tempos mais tarde, após assistir a uma obra-prima de Luís Buñuel, La Voie Lactée, nunca mais dissociei a palavra leite do estranho caminho que leva a Santiago de Compostela (corruptela de Campus Stelae em latim, o Campo das Estrelas).

Nem mesmo a ácida crítica de Dostoïevski ao hábito da sociedade francesa de “boire du lait sur l' herbe fraiche”, para ele o supra-sumo da felicidade burguesa, era capaz de turvar minha visão idílica da palavra leite.

A bem da verdade, devo admitir que os primeiros e os últimos versos de “A Morte do Leiteiro", de Carlos Drummond de Andrade, sempre me causaram certo desconforto.

Há pouco leite no país,

é preciso entregá-lo cedo.

Há muita sede no país,

é preciso entregá-lo cedo.

Há no país uma legenda,

que ladrão se mata com tiro.

( ....... )

Da garrafa estilhaçada,

no ladrilho já sereno

escorre uma coisa espessa

que é leite, sangue… não sei.

Por entre objetos confusos,

mal redimidos da noite,

duas cores se procuram,

suavemente se tocam,

amorosamente se enlaçam,

formando um terceiro tom

a que chamamos aurora.

Em tempos de violência crescente, de medo e de propostas cada vez mais radicais, a morte do pobre leiteiro, confundido com um ladrão na madrugada e abatido a tiros, torna-se mais real e dramática, que nem o terceiro tom evocado pelo poeta consegue atenuar.

Para agravar a situação, o noticiário nos dá conta, em grandes manchetes, que o leite consumido por crianças e idosos, que nele têm a principal fonte de cálcio, agora conta com novos complementos: água oxigenada e soda cáustica.

Adeus sensações gustativas prazerosas, adeus imagens bucólicas, adeus considerações filosóficas sobre a pequenez do ser humano frente ao universo, adeus Buñuel...

E, como se não bastasse, o silêncio.

O silêncio que, rotineiramente, se segue às grandes denúncias, invertendo a ordem do ditado popular segundo o qual a calmaria precede a tempestade.

Alguém sabe me informar se já é possível voltar a beber leite e ter o direito de fazer novas associações de idéias agradáveis?

terça-feira, 20 de novembro de 2007

Acampamento Carlos Lamarca - I


As três crianças da foto são apenas algumas das muitas que vivem no Acampamento Carlos Lamarca, no alto de um morro em Belford Roxo, na Baixada Fluminense.
Em barracos construídos com restos de madeira, papelão e plástico, mais de 300 pessoas compartilham a tristeza e a incerteza refletidas nos rostos das crianças.
Veja animação das fotos ao som da Internacional em:

Acampamento Carlos Lamarca - II


Vista parcial do acampamento

Acampamento Carlos Lamarca - III


Detalhe do acampamento

Acampamento Carlos Lamarca - IV


"Salão" de reuniões e orações dos acampados

Acampamento Carlos Lamarca - V


Reunião de moradores do acampamento

domingo, 18 de novembro de 2007

Clique de sorte


Não é propaganda de empresa de aviação, nem advertência para algum problema iminente em tempos de apagão aéreo. Apenas um clique de sorte, feito a partir do Aterro do Flamengo, onde o avião me lembrou um gigantesco beija-flor pairando junto ao cume do Pão de Açúcar.

sábado, 17 de novembro de 2007

Nenhum motivo explica a guerra


A Associação Brasileira de Imprensa convida para a apresentação do documentário “Nenhum motivo explica a guerra”, de Cacá Diegues e Rafael Dragaud, nesta segunda-feira, dia 19 de novembro, às 18h30.
A entrada é franca e após a exibição haverá um bate-papo com Cacá Diegues.
Cine ABI: Rua Araújo Porto Alegre, 71 - Centro - RJ.

Leia matéria sobre o filme: http://www.abi.org.br/

sexta-feira, 16 de novembro de 2007

Cerca reciclável


Segundo a Wikipédia, “o Politereftalato de Etila, ou PET, é um poliéster, polímero termoplástico ou plástico, desenvolvido por dois químicos britânicos Whinfield e Dickson em 1941, formado pela reação entre o ácido tereftálico e o etileno glicol. Utiliza-se principalmente na forma de fibras para tecelagem e de embalagens para bebidas.”

Talvez o dono desta casa na Baixada Fluminense nunca tenha ouvido falar em Whinfield e Dickson. Mas, sem dúvida, encontrou uma forma criativa para utilizar o invento e transformar uma simples cerca de arame farpado num muro de poliéster.

quinta-feira, 15 de novembro de 2007

Pô...e agora?


Até que criar o blog não foi tão difícil. Mesmo para quem tem preguiça de ler manuais de instruções e resolve partir direto para as tentativas e erros, acabou dando certo. Mas, e agora? Bem que me avisaram que essa história de blog é como filho. Dá alegrias, prazeres, faz companhia, mas tem que cuidar, alimentar, educar, vigiar...

Como começar a alimentar esse novo filho? Até que um clarão surgiu na memória. O feriado chuvoso contribuiu para relembrar coisas boas e tristes também. Luzes e sombras associadas numa única lembrança, a do amigo Tim Lopes, companheiro de aventuras divertidas e profissional exemplar, cuja vida e carreira foram interrompidas de forma trágica.

O texto abaixo foi escrito, a pedido de uma amiga, dois anos após a morte de Tim. Achei que seria uma boa forma de começar a cuidar desse novo filho. Homenagear o amigo saudoso e repartir com tantos que o conheceram e o admiravam um pouco dessa época tão significativa.


"ERÉNDIRA ESTABA BAÑANDO A LA ABUELA CUANDO EMPEZÓ EL VIENTO DE SU DESGRACIA."


(Da obra de Gabriel García Márquez: La Increíble y Triste Historia de la Cándida Eréndira y su Abuela Desalmada)

E O VENTO DA DESGRAÇA LEVOU O ARCANJO


Foi numa manhã de julho de 1972 que um novo estagiário de nome esquisito apareceu na redação do Globo. Mais precisamente Arcanjo Antonino Lopes do Nascimento, nome de batismo de um dos melhores repórteres de toda a imprensa brasileira nas últimas três décadas. A semelhança física com o cantor Tim Maia foi mais forte que o antropônimo de inspiração celestial e o arcanjo acabou virando Tim Lopes.

Trazido pelas mãos de Henrique Caban, à época o respeitado e temido homem forte do Globo, Tim foi apresentado ao chefe da reportagem policial, Vargas Júnior, para se juntar a uma equipe de profissionais tarimbados e a três outros estagiários que davam duro fazendo a "ronda" das delegacias e a "escuta" do rádio de comunicações da polícia.

A "ronda" das delegacias consistia em telefonar incessantemente para as 38 delegacias policiais que existiam então na cidade do Rio de Janeiro e perguntar se havia alguma novidade. A "escuta" do rádio era ainda mais "emocionante". Tudo que o estagiário tinha a fazer era escutar, com um fone de ouvido, as comunicações entre as viaturas policiais e as delegacias, captadas por um rádio sintonizado na faixa de onda privativa da Secretaria de Segurança Pública. Quando descobria algo interessante sua obrigação era informar ao chefe da reportagem policial que, obviamente, destacava um profissional experiente para fazer a matéria.

Naquela manhã de julho de 1972, o novo estagiário, de rosto redondo, sorriso largo e cabelos afro, vestia terno escuro e uma berrante gravata de cor lilás. Com o bom humor e a disposição que sempre o caracterizaram, Tim juntou-se aos outros três "focas": Otávio Escobar, Eduardo Varela (homônimo do primeiro acertador dos 13 pontos da Loteria Esportiva, o famoso "Dudu da Loteca") e este redator. Tim era o quarto mosqueteiro que faltava.

Em pouco tempo, o nosso "Dartagnan", nascido no Rio Grande do Sul e criado ao pé do morro da Mangueira, encarou sem reclamar a ronda das delegacias, a escuta do rádio e mostrou a que veio. Em meio às notinhas curtas sobre tríplices colisões e princípios de incêndio que os estagiários escreviam, Tim foi abrindo seu espaço com sugestões de pauta interessantes e disposição para brigar pelo direito de apurá-las e redigi-las.

O espírito investigativo, a garra para correr atrás da matéria e o texto leve e descontraído logo denunciaram o grande repórter que estava se formando. A sensibilidade e a preocupação com os "deserdados" se aliaram a uma forma até então inédita de escrever, na qual a gíria dos malandros do morro dava um tom popular e autêntico à contundência das denúncias. Além, é claro, das frases de efeito que gostava de criar. Ao se despedir dos amigos ou ao partir para uma nova empreitada, Tim jamais dizia "até logo". Reminiscência de moleque que empinava pipas no morro da Mangueira, a expressão que se tornou sua marca era: "Aí gente, vou dar linha à pipa que o vento está a favor".

Brincar com as palavras era seu esporte predileto. Afinal de contas, como ele mesmo afirmava, "só quem brinca com as palavras sabe a graça que elas têm". Brincando com as palavras, Tim escrevia as matérias que apurava com um empenho que o levava a virar noites insones, embrenhar-se em lugares hostis e transitar camuflado entre os personagens de suas reportagens.

Infelizmente, amigo Tim, naquela noite de junho de 2002 você deu linha à pipa. Mas, seja por que razões forem, o vento não estava a favor. Para você, o vento naquela noite foi o mesmo "vento da desgraça" que soprou para a Cândida Erêndira, do escritor García Márquez que você tanto admirava. E você foi arrastado para longe de nós. O consolo que nos resta é que, esteja onde estiver, você continuará sempre brincando com as palavras para denunciar as injustiças deste mundo desigual.

Roberto Ferreira

quarta-feira, 14 de novembro de 2007

Abrindo o salão


"Clarões na galeria" é um espaço para ser preenchido, um dia depois do outro, com calma, paciência, luzes e sombras.
Para ser construído com flashes fotográficos e de memória.
Registros de imagens misturados a lembranças e desejos.
Vitrine de fotos, recordações e pensamentos sombrios ou luminosos, mas sempre repleta de sentimento.
Poetas, como Chico, conseguem catar poesia entornada no chão.
Aos demais mortais, incapazes de expressar em palavras a plenitude do belo ou do trágico, resta-lhes o prazer de sentir e compartilhar.
Bem-vindo aos "Clarões na galeria".