
Um mistério insolúvel, para mim, é o poder que algumas palavras têm para desencadear associações de idéias. Uma delas, bem simples, é a palavra leite. O primeiro alimento dos mamíferos, cinco letras que compõem um som que qualquer criança é capaz de pronunciar mal aprende a falar, sempre me despertou associações de idéias agradáveis.
A simples lembrança do café com leite quentinho de manhã, antes de ir para a escola, ou o copo de leite gelado com que, já adulto, muitas vezes substituí uma refeição na pressa de cumprir compromissos, até pouco tempo me remetiam a sensações gustativas prazerosas.
Ao pensar na palavra leite, sempre me vieram à mente cenas bucólicas. Vacas sendo ordenhadas antes do nascer do sol, deitadas à sombra de uma árvore para fugir do calor do meio-dia ou voltando em passos cadenciados para o curral ao anoitecer. Muitas vezes com guizos marcando a lentidão da marcha.
Um pouco mais de abstração me levava a pensar na Via Láctea, a galáxia que abriga nosso ridículo sistema solar frente à imensidão do universo. Tempos mais tarde, após assistir a uma obra-prima de Luís Buñuel, La Voie Lactée, nunca mais dissociei a palavra leite do estranho caminho que leva a Santiago de Compostela (corruptela de Campus Stelae em latim, o Campo das Estrelas).
Nem mesmo a ácida crítica de Dostoïevski ao hábito da sociedade francesa de “boire du lait sur l' herbe fraiche”, para ele o supra-sumo da felicidade burguesa, era capaz de turvar minha visão idílica da palavra leite.
A bem da verdade, devo admitir que os primeiros e os últimos versos de “A Morte do Leiteiro", de Carlos Drummond de Andrade, sempre me causaram certo desconforto.
Há pouco leite no país,
A simples lembrança do café com leite quentinho de manhã, antes de ir para a escola, ou o copo de leite gelado com que, já adulto, muitas vezes substituí uma refeição na pressa de cumprir compromissos, até pouco tempo me remetiam a sensações gustativas prazerosas.
Ao pensar na palavra leite, sempre me vieram à mente cenas bucólicas. Vacas sendo ordenhadas antes do nascer do sol, deitadas à sombra de uma árvore para fugir do calor do meio-dia ou voltando em passos cadenciados para o curral ao anoitecer. Muitas vezes com guizos marcando a lentidão da marcha.
Um pouco mais de abstração me levava a pensar na Via Láctea, a galáxia que abriga nosso ridículo sistema solar frente à imensidão do universo. Tempos mais tarde, após assistir a uma obra-prima de Luís Buñuel, La Voie Lactée, nunca mais dissociei a palavra leite do estranho caminho que leva a Santiago de Compostela (corruptela de Campus Stelae em latim, o Campo das Estrelas).
Nem mesmo a ácida crítica de Dostoïevski ao hábito da sociedade francesa de “boire du lait sur l' herbe fraiche”, para ele o supra-sumo da felicidade burguesa, era capaz de turvar minha visão idílica da palavra leite.
A bem da verdade, devo admitir que os primeiros e os últimos versos de “A Morte do Leiteiro", de Carlos Drummond de Andrade, sempre me causaram certo desconforto.
Há pouco leite no país,
é preciso entregá-lo cedo.
Há muita sede no país,
é preciso entregá-lo cedo.
Há no país uma legenda,
que ladrão se mata com tiro.
( ....... )
Da garrafa estilhaçada,
( ....... )
Da garrafa estilhaçada,
no ladrilho já sereno
escorre uma coisa espessa
que é leite, sangue… não sei.
Por entre objetos confusos,
mal redimidos da noite,
duas cores se procuram,
suavemente se tocam,
amorosamente se enlaçam,
formando um terceiro tom
a que chamamos aurora.
Em tempos de violência crescente, de medo e de propostas cada vez mais radicais, a morte do pobre leiteiro, confundido com um ladrão na madrugada e abatido a tiros, torna-se mais real e dramática, que nem o terceiro tom evocado pelo poeta consegue atenuar.
Para agravar a situação, o noticiário nos dá conta, em grandes manchetes, que o leite consumido por crianças e idosos, que nele têm a principal fonte de cálcio, agora conta com novos complementos: água oxigenada e soda cáustica.
Adeus sensações gustativas prazerosas, adeus imagens bucólicas, adeus considerações filosóficas sobre a pequenez do ser humano frente ao universo, adeus Buñuel...
E, como se não bastasse, o silêncio.
O silêncio que, rotineiramente, se segue às grandes denúncias, invertendo a ordem do ditado popular segundo o qual a calmaria precede a tempestade.
Alguém sabe me informar se já é possível voltar a beber leite e ter o direito de fazer novas associações de idéias agradáveis?
Em tempos de violência crescente, de medo e de propostas cada vez mais radicais, a morte do pobre leiteiro, confundido com um ladrão na madrugada e abatido a tiros, torna-se mais real e dramática, que nem o terceiro tom evocado pelo poeta consegue atenuar.
Para agravar a situação, o noticiário nos dá conta, em grandes manchetes, que o leite consumido por crianças e idosos, que nele têm a principal fonte de cálcio, agora conta com novos complementos: água oxigenada e soda cáustica.
Adeus sensações gustativas prazerosas, adeus imagens bucólicas, adeus considerações filosóficas sobre a pequenez do ser humano frente ao universo, adeus Buñuel...
E, como se não bastasse, o silêncio.
O silêncio que, rotineiramente, se segue às grandes denúncias, invertendo a ordem do ditado popular segundo o qual a calmaria precede a tempestade.
Alguém sabe me informar se já é possível voltar a beber leite e ter o direito de fazer novas associações de idéias agradáveis?
3 comentários:
Adorei o texto. Parabéns. Bjs
Roberto diante de tudo que estamos vivendo,a minha opinião continua sendo sempre a mesma.Doe-se.
"Dar é crescer,qdº abrimos as mãos para dar algo,crescemos ,primeiro através de nossos dedos estendidos e depois da coisa dada na alma de quem a recebeu, tornando-nos assim cada vez maiores .Roberto,Sou mulher e mãe no meio seio tem sempre o calor do amor e da doação.Parabéns !!!
Roberto,
O que sei é que o homem é o único mamífero que, depois de desmamar, continua bebendo leite. Outra coisa que sei é que há muitos anos eles colocam soda caústica no leite. Meu pai trabalhou como carreteiro numa cooperativa leiteira durante dez anos. Na época havia poucos refrigeradores e, às vezes, o leite era descartado no rio, que ficava branco. Como sabe, Muriaé é uma importante região produtora de leite. Aqui, graças à ação da Parmalat e Tetapak (será que este teta é de têta?), a embalagem chegou a custar mais caro que o próprio produto, o leite. Um absurdo, né? Outra coisa interessante é compararmos o preço do leite com o da cerveja. Por último, para quem precisa repor as reservas, a abóbora tem muito mais cálcio que o leite e excelente para quem sofre de osteoporose. Também sei que o leite de cabra tem mais proteínas que o de vaca. Mas o leite de rata tem mais proteínas que todos eles. Esta é só pra quem precisa de proteínas. Abraço.
Postar um comentário